A era das “sitcoms” acabou. É o fim das séries de comédia na TV?
Os indicados ao Emmy Awards, a maior premiação da televisão americana, levantaram uma série de questionamentos na internet. O motivo é, mais uma vez, a presença de “The Bear” (O Urso) nomeada como “Melhor Série de Comédia”, categoria que venceu no ano passado. Muitos alegam que o programa estrelado por Jeremy Allen White não se encaixa no gênero, sendo, na realidade, um drama. Isso também aumentou as discussões sobre a indústria televisiva em geral.
Os outros indicados na categoria são: “Curb Your Enthusiasm” (HBO), “Abbott Elementary” (ABC), “Hacks” (MAX), “Only Murders in the Building” (Hulu), “Palm Royale” (Apple TV+), “Reservation Dogs” (FX on Hulu) e “What We Do in the Shadows” (FX).
Há duas coisas que podemos pontuar nessa seleção. A primeira é o nível de sucesso dessas produções. Sejamos sinceros: quantos desses shows vocês já ouviram falar? As mais famosas dessa lista são “Only Murders in the Building”, estrelada por Selena Gomez, e “Abbott Elementary”, que, apesar de ser bastante reconhecida nos EUA, faz pouco barulho aqui no Brasil. Uma diferença perceptível de anos como 2010, por exemplo, onde tínhamos “Modern Family”, “Glee”, “30 Rock” e “The Office” concorrendo.
A outra coisa é o fato de que, além de “The Bear”, outras três desse grupo são consideradas “comédias dramáticas”. Quando falamos de sitcoms, por outro lado, apenas uma das oito é desse subgênero. Para contrastar, em 1998, eram quatro de cinco.
O QUE ACONTECEU COM AS SITCOMS?
Houve um tempo em que as sitcoms dominavam a audiência da televisão americana. Para quem não está familiarizado com o termo, “sitcom” significa “comédia de situação”, que basicamente é quando acompanhamos um grupo de pessoas em situações corriqueiras do dia a dia. É o caso de séries como “Friends”, “Eu, a Patroa e as Crianças” e “Todo Mundo Odeia o Chris”. Infelizmente, o tempo que mencionamos não existe mais, e há motivos para isso.
Não é novidade para ninguém as transformações que Hollywood tem passado nos últimos anos. O advento dos streamings mudou as regras de um jogo que já era jogado há décadas. Entre as principais questões, não dá para deixar de fora o formato das temporadas.
Antigamente, as séries recebiam em torno de 21 episódios por temporada, que eram divididos em dois blocos durante meses. Dessa forma, por grande parte do ano, assistíamos semanalmente às aventuras dos personagens que amávamos. Alguns programas de TV, como “Game of Thrones“, recebiam excepcionalmente temporadas mais curtas devido ao alto custo de produção, e eram elogiados por isso, consideradas como “conteúdo premium”.
O problema é que a exceção acabou tornando-se a regra. Vimos os 21 capítulos virarem 12, depois 8 e, agora, algumas séries recebem até menos, como “Cidade Invisível“, que, em sua segunda temporada, contou com apenas 5 episódios.
Alguns procedurais, como Grey’s Anatomy, que resiste no ar há mais de 15 anos, continuam nesse sistema. Contudo, como a maior parte do conteúdo que assistimos atualmente é proveniente de streamings, esse formato se torna cada vez menos comum. O número absurdo de lançamentos praticamente impossibilita temporadas longas, o que obviamente prejudica os possíveis enredos.
Vamos pensar juntos: se “Friends” tivesse apenas oito episódios por temporada, no total seriam apenas 80 episódios, ao invés dos 236. Quantos plots não seriam desenvolvidos com esse corte? Chandler e Monica, por exemplo, só ficam juntos no episódio 97. Perderíamos um dos casais mais emblemáticos das séries simplesmente porque não haveria tempo suficiente para o desenvolvimento dessa história.
Sitcoms são quase inteiramente sobre os personagens. Nos apegamos a eles, torcemos por eles e nos divertimos com as piadas internas que constroem ao longo dos anos, como os tapas de Marshall com Barney em “How I Met Your Mother” e o crescimento das crianças em Modern Family. Oito episódios pode até ser suficiente para um drama, mas definitivamente não é para comédias.
Para além do número reduzido de episódios, precisamos falar também sobre a demora entre eles. Os famosos “hiatos” em que os conteúdos entravam duravam algumas semanas, mas, hoje em dia, são cada vez mais longos.
“Stranger Things” estreou há oito anos e, mesmo assim, só teve 4 temporadas e 34 episódios. Isso seria o equivalente a 4 capítulos sendo lançados por ano. Dá para aguentar?
“Round 6”, lançada em 2021, é outro caso. O thriller só voltará às telas da Netflix no final desse ano. Claro que existem fatores que contribuíram para esse ocorrido, como a pandemia do Covid-19 e a greve dos atores e roteiristas, todavia, apesar disso, é inacreditável a demora para a volta do show.
Agora, imaginem esperar dois anos para o retorno de uma sitcom do Disney Channel. Veríamos a apresentação das crianças e, em um estalo, elas estariam velhas demais para os papéis. O novo sistema de produção inviabiliza esse tipo de história.
E o elenco? Será que querem ficar presos por tanto tempo em um mesmo projeto? É claro que um papel icônico pode mudar a vida de um ator, como Jennifer Aniston após viver a Rachel Green em Friends, e a estabilidade e a segurança de uma série que dure longos anos não é nada ruim. Porém, é um ritmo cansativo e limitante para muitos.
Por mais que defendamos a ideia de que essas obras precisem de mais tempo, às vezes elas duram muito e os envolvidos com o projeto acabam se cansando.
Topher Grace, protagonista de “That’s 70 Show”, abandonou a série antes da última season justamente porque buscava novas oportunidades e queria seguir uma carreira no cinema. A saída do astro impactou profundamente a qualidade dos roteiros.
Jim Parsons, que eternizou-se como Sheldon Cooper em “The Big Bang Theory”, motivou o fim do programa ao decidir que não queria mais viver o personagem.
Eu acho que tivemos a oportunidade de fazer isso por tanto tempo que não existe mais nada em jogo que pode ser feito. Nós até poderíamos continuar fazendo, mas sinto que já roemos o osso o máximo que era possível. Pessoalmente, eu acho que essa era a hora certa da minha vida para sair.
Jim Parsons em entrevista ao EW.
E O FUTURO?
Há uma tentativa de trazer o subgênero de volta, aproveitando a tendência de remakes e reboots. Entretanto, é visível que esse esforço não está rendendo os frutos que os estúdios esperavam.
A volta de “iCarly”, em uma versão mais adulta para o Paramount+, nadou e morreu na praia, sendo cancelada na terceira temporada. “How I Met Your Father”, spin-off do sucesso da década retrasada, enfrentou o mesmo destino do cancelamento repentino.
“That’s 90 Show”, derivada do programa que já mencionamos neste texto, está na terceira temporada e até apresenta números razoáveis, mas longe do sucesso da antecessora.
E mesmo que essas séries estivessem alcançando êxitos, o que não estão, ainda seria preocupante. Qual foi a última sitcom original que fez muito barulho? “Brooklyn Nine-Nine”? “One Day At Time“, que foi cancelada duas vezes?
Não podemos prever o destino das séries de comédia, mas é evidente que elas não estão em um bom momento. O que vocês acham de todo esse cenário? Deixe nos comentários!
Eu acho que a era dos streams prejudicou a criação de novas sitcoms, já que elas foram feitas para passar na TV. As pessoas que pagam plataformas de filmes e séries não costumam assistir televisão, e quem assiste fica sem opção de novos conteúdos, já que tudo é pago por fora, e se vê obrigado a procurar outras alternativas se não quiser ficar assistindo só coisa velha. É preciso entender que existe público pra tudo. Sitcoms antigas continuam fazendo sucesso porque muita gente gosta, mas ao mesmo tempo servem de conforto pra quem não se identifica com os formatos de séries que vieram depois.
Eu acho que muitos streamings estão focados em fazer várias temporadas de uma série de “sucesso” e que poderia ter apenas 3, como Elite, mas não estão de fato preocupados com a qualidade. A gente quer ver personagens e relações sendo construídas ao longo dos 21 episódios da temporada de uma série e não ter um resumo da história em 5,6,7 episódios. A gente basicamente tem que imaginar o que acontece na vida deles depois, é horrível.