Emilia Pérez é internacional mesmo ou grande trapaça?

O dia 23 de janeiro de 2025 entrará para a história do cinema nacional. Pela primeira vez, um filme brasileiro foi indicado a “Melhor Filme” no Oscar, a premiação mais importante de Hollywood. No entanto, por mais que a celebração esteja grande, sabemos que há uma disputa muito acirrada com outro candidato estrangeiro: o francês “Emilia Pérez”.
A questão é que, enquanto “Ainda Estou Aqui” resgata a história da família Paiva e de um momento tenebroso do nosso país de maneira respeitosa, tornando-se um orgulho para o nosso povo, seu rival, estrelado por Karla Sofía Gascón, tem revoltado o público latino, especialmente os mexicanos.
Emilia Pérez é um musical dramático francês de 2024. A trama segue Juan Del Monte, um líder de cartel mexicano que decide abandonar o mundo do crime e realizar sua transição de gênero, tornando-se Emilia. Para isso, busca a ajuda de uma advogada subestimada, interpretada por Zoe Saldaña, para ajudá-la tanto na parte médica, quanto para desaparecer sem deixar rastros.
Você conseguiu notar a quantidade de informações presentes nessa sinopse? Para começar, é um filme com uma temática super séria envolvendo vivências LGBT e a violência em formato de musical, o que não é algo inédito, mas é uma escolha que exige muito cuidado para não soar piegas ou fora de tom. Além disso, é uma obra europeia que retrata personagens e problemas mexicanos, e, é claro, isso geraria muita discussão.
Caso não tenha percebido a problemática, vamos lá: imagine se Ainda Estou Aqui, que aborda o período da ditadura, fosse um grande musical estadunidense em que cantassem algo como “Esses fardados são maus, maus, maus” e, ao invés de Fernanda Torres, fosse uma atriz portuguesa. Dá até para imaginar os brasileiros xingando nas redes sociais, né? É exatamente isso que ocorre com Emilia Pérez.
– Olá, muito prazer em te conhecer. Eu gostaria de saber mais sobre cirurgias de redesignação sexual
– Entendo, entendo, entendo. Homem para mulher ou mulher para homem?
– Homem para mulher.
– De pênis para vagina…Trecho de “La Vaginoplastia”, música de Emilia Pérez.
Tanto o público latino quanto o público LGBT estão frustrados com o apreço que o filme vem recebendo nas premiações ao redor do mundo. É lindo ver que Karla, por exemplo, tornou-se a primeira mulher trans a ser indicada como “Melhor Atriz” ao Oscar. Porém, ela interpreta uma mulher mexicana, mesmo sendo espanhola. Nenhuma das três atrizes principais da obra é latina, no máximo possui ascendência.
Por mais que, aos olhos dos chefões de Hollywood, a produção seja considerada “progressista” pelas abordagens que assume, o GLAAD, principal prêmio do cinema LGBTQ+, a esnobou completamente. Na verdade, muitas pessoas transexuais consideram o longa até mesmo transfóbico.

INTERNACIONAL MESMO?
Uma frase que está sendo muito utilizada para desmerecer Emilia Pérez é dizer que é “um filme americano, feito para americanos”, insinuando que a obra, na verdade, tem mais conexão com os Estados Unidos do que com qualquer outro país. As acusações reforçam a ideia de que os nossos vizinhos do continente estariam “burlando” as regras para evitar prestigiar trabalhos verdadeiramente estrangeiros.
No Globo de Ouro, houve reclamações em relação à vitória na categoria de “Filme de Língua Não Inglesa”, já que muitos dos diálogos e canções do longa são em inglês. É importante esclarecer, no entanto, que segundo as normas da premiação, um filme não precisa ser inteiramente em idioma estrangeiro para concorrer nessa categoria. Basta que a maior parte dos diálogos seja em um idioma que não seja o inglês.
Sobre a nacionalidade do filme, não há o que contestar. É claro que um elenco de peso já conhecido, com nomes como Selena Gomez, e o apoio de campanha da gigante Netflix ajudaram muito na conquista de 13 indicações, mas o filme é, claramente, francês.
A direção é de Jacques Audiard, que também produziu e escreveu o projeto. O filme conta com mais três produtores e três roteiristas, todos franceses. Entre os estúdios envolvidos, são mais de 10, alguns deles são: France 2 Cinéma, Les Films du Fleuve e Pathé. Preciso dizer algo mais?
Só que ainda que tenha defendido aqui que Emilia Pérez possui todo o direito de competir como um filme estrangeiro, vale ressaltar que todas essas polêmicas podem favorecer Ainda Estou Aqui na categoria.
A França, no último Oscar, teve “Anatomia de Uma Queda” como grande concorrente em “Melhor Filme” e foi vencedora em “Melhor Roteiro Original”. Esse ano, todavia, todos os brasileiros estão torcendo bastante para que eles saiam de mãos abanando.